Cor Imago
IMAGENS DO CORAÇÃO
by FRANK SILVA
FRANK SILVA
Coração, segundo desenhos de Berengario da Carpi, 2010
Recife
No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração
No Coração, Talvez.
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
ANONYMOUS
SIRON FRANCO
JACOPO BEREGARIO DA CARPI
Isagogae Breues, Perlucidae ac Uberrimae in Anatomiam Humani Corporis, c. 1523
Bologna, Benedictus Hector
Desenganos, traições, combates, sofrimentos,
Numa vida já longa acumulados, vão
Como sobre um paul contínuos sedimentos.
Pouco a pouco envolvendo em cinza o coração.
A Armadura
António Feijó, in 'Sol de Inverno’
ANONYMOUS
Persian Anatomical Illustrations (fragmento), c. 1680/1750
Iran or Pakistan
E nada disto é céu nem é inferno.
Tristeza, só tristeza. Sol de Inverno,
sem uma flor a abrir na minha mão,
sem um búzio a cantar ao meu ouvido.
Só tristeza, um silêncio desmedido
e um pássaro a morrer: meu coração.
Um Pássaro a Morrer
Fernanda de Castro, in ‘Eu, Saudosa, Saudosa’
Jacques Fabian Gautier d'Agoty
Anatomie Generale des Viscères en Situation, de Grandeur et Couleur Naturelle, Avec l'angeologie, et la Nevrologie de Chaque Partie du Corps Humain (fragmento), c. 1752
Paris, Gautier
Tu não me respondes.
Entramos no mais fundo da pedra, no túmulo preterido,
Espólio de um deus acossado, eu estrangeiro, eu esquecido.
Tu ocultas o coração, voltas-te de perfil para as dunas, a pedra, pedra.
Não me respondes. Como o coração, dizes.
Como o Coração
Luis Filipe Castro Mendes, in ‘A Ilha dos Mortos’
Richard Quain
The Anatomy of the Arteries of the Human Body, with its Applications to Pathology and Operative Surgery, c. 1844
London, Taylor and Walton
Conclusão a sucata !... Fiz o cálculo,
Saiu-me certo, fui elogiado...
Meu coração é um enorme estrado
Onde se expõe um pequeno animálculo.
Meu Coração é um Enorme Estrado
Álvaro de Campos, in ‘Poemas’
ANONYMOUS
Sagrado Coração de Jesus
Que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem estão velhos
que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens
e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso
Chamar a Si Todo o Céu com um Sorriso
E. E. Cummings, in "livrodepoemas"
ODILON REDON
Le Sacré-Coeur (fragmento), c. 1895/1900
PASTEL EM PAPEL AMARELO, 60 x 46,5cm
Paris, Museu D'Orsay
Embebido n'um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n'um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso...
Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
Através d'uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso...
Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrível, monótono vaivém...
Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!
Voz Interior
Antero de Quental, in "Sonetos"
SIRON FRANCO
Semelhantes n. 40, 1980
ÓLEO SOBRE TELA, 180 x 170cm
Particular
O meu coração desce, Um balão apagado...
Melhor fora que ardesse, Nas trevas, incendiado.
Na bruma fastidienta como um caixão à cova...
Porque antes não rebenta . De dor violenta e nova?! Que apego ainda o sustém
Átomo miserando... Se o esmagasse o trem dum comboio arquejando!...
O inane, vil despojo da alma egoísta e fraca!
Trouxesse-o o mar de rojo, levasse-o a ressaca.
O Meu Coração Desce
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
ROMERO BRITO
A New Day, 2001
ACRÍLICO SOBRE TELA, 58cm x 80cm
Particular
Sou eu quem assiste às lutas,
Que dentro d’alma se dão,
Quem sonda todas as grutas
Profundas do coração:
Quis ver dos céus o segredo;
Rebelde, sobre um rochedo
Cravado, fui Prometeu;
Tive sede do infinito,
Gênio, feliz ou maldito,
A Humanidade sou eu.
O GÊNIO DA HUMANIDADE
Tobias Barreto in ‘Antologia dos Poetas Brasileiros’
ANONIMOUS
Coração de Cores, [s.d.]
ACRÍLICO SOBRE TELA, 40cm x 30cm
Particular
Coração inconstante, a quem a charneca edifica a cidade
no meio das velas e das horas,
tu sobes com os choupos até aos lagos:
aí talha a flauta, de noite, o amigo do seu silêncio e mostra-o às águas.
Na margem vagueia embuçado o pensamento e escuta: pois nada
surge com a sua própria forma, e a palavra, que brilha sobre ti,
crê no escaravelho dentro do feto.
crê no escaravelho dentro do feto.
CORAÇÃO INCONSTANTE
Paul Celan, in "Papoila e Memória"
Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno
JIM DINE
Cinco Corações (série), 2008
ACRÍLICA E TÉCNICA MISTA SOBRE TELA, 166 x 150cm
Particular
Meu coração é teu coração?
Quem me reflexa pensamentos?
Quem me presta esta paixão sem raízes?
Por que muda meu traje de cores?
Tudo é encruzilhada!
Por que vês no céu tanta estrela?
Irmão, és tu ou sou eu?
E estas mãos tão frias são daquele?
Vejo-me pelos ocasos, e um formigueiro de gente anda por meu coração.
Confusão
Frederico García Lorca in ‘Poemas Esparsos’
Tradução de Oscar Mendes
ANDREJ
Heart (Inspired by Jim Dine), 1991
PASTEL
Particular
Ali, onde o mar quebra, n'um cachão
Rugidor e monótono, e os ventos
Erguem pelo areal os seus lamentos,
Ali se há-de enterrar meu coração.
Queimem-no os sóis da adusta solidão
Na fornalha do estio, em dias lentos;
Depois, no inverno, os sopros violentos
Lhe revolvam em torno o árido chão...
Até que se desfaça e, já tornado
Em impalpavel pó, seja levado
Nos turbilhões que o vento levantar...
Com suas lutas, seu cansado anseio,
Seu louco amor, dissolva-se no seio
D'esse infecundo, d'esse amargo mar!
SEPULTURA ROÂNTICA
Antero de Quental, in ‘Sonetos’
Em breve uma mostra de trabalhos no projeto RE-CORDAR, sob a curadoria da historiadora Roberta Aymar irá concluir as atividades do Projeto
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